O Liberalismo

Características do liberalismo
As teorias liberais defendem o Es­tado laico, recusando a intervenção da Igreja nas questões políticas. De­fendem a economia de mercado, segun­do a qual existe um equilíbrio natural decorrente da lei da oferta e da procura, o que reduz a necessidade de inter­venções {teoria do Estado mínimo). A economia de mercado supõe ainda a defesa da propriedade privada dos bens de produção e a garantia de funciona­mento da economia a partir do prin­cípio do lucro e da livre iniciativa, o que valoriza o espírito empreendedor e competitivo.
Desde o início, o liberalismo defen­de a existência do Estado laico e não-intervencionista.
Estado laico porque não se identifica com nenhuma confissão religiosa nem deseja qualquer interferência da Igreja nos assuntos políticos. Em contrapar­tida, o Estado também não deve inter­ferir nas crenças pessoais, fazendo pre­valecer o ideal da tolerância depois das sangrentas guerras religiosas do sécu­lo XVI.
Estado não-intervencionista, porque cri­tica o controle que as monarquias absolutistas exerciam sobre a economia, cuja expressão era o monopólio estatal típico do mercantilismo.
Tais alterações provocam a nítida se­paração entre o público e o privado, ou se­ja, entre os assuntos do Estado (que de­ve se ocupar com a política, isto é, com as questões da esfera pública) e os da sociedade civil (setor das atividades particulares, sobretudo econômicas).
Ao mesmo tempo, são criadas insti­tuições para que os cidadãos possam ter voz ativa nas decisões políticas. Daí o fortalecimento do Parlamento, órgão por excelência de representação das forças atuantes da sociedade e capaz de ini­bir os excessos do poder central. A de­fesa da origem parlamentar do poder significa a superação das antigas teorias de que o poder vem de Deus ou da tra­dição familiar, já que o voto significa o livre consentimento do cidadão. Para manter a ordem é fundamental o equi­líbrio dos três Poderes — o Executivo, o Legislativo e o Judiciário —, tese de­senvolvida pela primeira vez por Mon­tesquieu.
As alterações nas instituições cons­tituem passo significativo para superar o poder absoluto em direção à demo­cracia e transformar o súdito em cida­dão. Mas é preciso não esquecer que por muito tempo o liberalismo continua sendo uma concepção elitista do poder, já que só os proprietários são conside­rados cidadãos totais, com direito ao voto e à representação. Apenas recen­temente conquistou-se o sufrágio uni­versal, o que também não significa por si só garantia para se evitarem os pri­vilégios. (Consultar o Cap. 13, A demo­cracia.)
A consciência liberal também foi marcada pela valorização do princípio da legalidade: as diversas Declarações de Direitos proclamam a igualdade peran­te a lei; institui-se o habeas corpus a fim de evitar prisões arbitrárias; teóricos como o italiano César Beccaria defendem o abrandamento das penas cruéis.
Além disso, as Declarações de Direi­tos exigem garantia das liberdades in­dividuais de pensamento, crença, ex­pressão, reunião e ação, desde que não sejam prejudicados os direitos de ou­tros cidadãos. Deriva daí a concepção tradicional de liberdade, segundo a qual "a liberdade de cada um vai até onde o permite a liberdade do outro". Trata-se do fundamento individualista típico do pensamento burguês; a lógica do mercado é que, se cada um desenvol­ver bem o seu trabalho, haverá natural seleção dos melhores, que formarão as elites de cuja capacidade empreende­dora resultarão benefícios para o todo social.


O liberalismo democrático
O liberalismo surge com o desenvol­vimento do capitalismo comercial e se expande após a Revolução Industrial, no século XVIII. Com a implantação do sistema fabril e o aumento da produ­ção, as relações de trabalho se tornam cada vez mais complexas. A partir de 1870, o antigo capitalismo liberal se ajusta em novas formas de capitalismo de monopólios com a formação de gran­des trustes.
As cidades crescem, surgem as fer­rovias e o navio a vapor. O maquinismo intensifica o otimismo fundado na crença do progresso e na valorização do poder humano. Mas no século XIX é cruel o contraste entre riqueza e pobre­za: a jornada de trabalho é de catorze a dezesseis horas, sendo usada inclu­sive mão-de-obra infantil e feminina com salários mais baixos ainda. A clas­se dos proletários se organiza em sin­dicatos e surgem as teorias socialistas e anarquistas que denunciam as contra­dições do sistema.
Para enfrentar os problemas, a teo­ria liberal se adapta às novas exigências, em parte para evitar que as massas se­jam de todo seduzidas pelo ideal socia­lista. Surge então o liberalismo democrá­tico, cujo discurso dá ênfase à igualda­de social e à necessidade de alteração das precárias condições de vida das massas oprimidas.
John Stuart Mill, um dos represen­tantes dessa tendência, sugere co-participação na indústria e representa­ção proporcionai. Foi também vigoro­so defensor da liberdade de expressão e do direito de voto para as mulheres.
A intervenção estatal
Aos poucos começa a se configurar a tendência intervencionista do Estado, visando a solução dos problemas sociais do trabalhador, como seguro de saúde, aposentadoria, desemprego. Isto signi­fica uma reversão das expectativas ini­ciais, quando se exigia a separação en­tre Estado e sociedade civil.
A crise de 1929, decorrente da "que­bra" da Bolsa de Nova Iorque, provo­ca sérias conseqüências econômicas em todos os países da América e da Euro­pa. As falências rompem o equilíbrio econômico, e altas taxas de inflação e desemprego aumentam as tensões so­ciais e diminuem a confiança no sistema.
Diante da crise, são diferentes as res­postas dadas pelas nações. A Itália e a Alemanha passam pelas experiências totalitárias do fascismo e do nazismo, enquanto nos Estados Unidos e Ingla­terra o governo promove rigorosos ajustes, desenvolvendo o estado do bem-estar social.
Na Inglaterra, o principal teórico da planificação estatal da economia é o fi­lósofo e economista Keynes.
Nos Estados Unidos, o presidente Roosevelt implanta o programa conhe­cido como New Deal, segundo o qual o Estado se torna o principal agente do reativamento econômico, sem no entanto sucumbir à tentação totalitária. A construção de grandes obras públicas ajuda a aumentar a taxa de emprego, são concedidos créditos para as empre­sas, além de serem adotadas inúmeras medidas assistenciais de atendimento aos trabalhadores (doença, desempre­go, invalidez, maternidade, velhice, aposentadoria).
 O neoliheralismo
A partir da década de 60 o estado do bem-estar social mostra sinais de des­gaste, seja pelas críticas à intervenção do Estado, seja porque as despesas go­vernamentais tendem a aumentar além do arrecadado, provocando a crise fis­cal do Estado e conseqüentemente o au­mento do déficit público, da inflação e da instabilidade social.
Na década de 80, os governos de Reagan nos EUA e de Margareth Thatcher na Inglaterra são indicadores des­sa reorientação neoliberal, que tende a desinvestir o Estado das funções assu­midas ao longo deste século. É por is­so que ainda se encontram no centro do debate questões como a privatização de setores tão diferentes como universida­de, prisões, serviço de aposentadoria, e também de empresas estatais que, no Brasil, por exemplo, eram até pouco tempo consideradas intocáveis, como as de refinamento de petróleo e de siderurgia.
Críticas ao modelo liberal
Refletindo sobre as mudanças que se processaram a partir da implantação do modelo liberal, podemos observar que, se por um lado houve um desenvolvi­mento científico e tecnológico nunca visto na história da humanidade, por outro lado não foram resolvidos os grandes problemas sociais criados pe­lo modo de produção capitalista.
I
Talvez não seja esse o ponto de vis­ta dos que analisam os efeitos do capi­talismo a partir do exemplo de dez ou onze nações capitalistas bem-sucedidas em todo o globo. Mas é bom não esque­cer que nos poucos países onde a situa­ção dos trabalhadores atingiu níveis ra­zoáveis de bem-estar, isto foi consegui­do mediante pressões de natureza di­versa, desde as forças sindicais inspi­radas pelas teorias socialistas, até as lu­tas dos grupos minoritários, como o movimento feminista, da juventude, dos negros ou os grupos ecológicos. Pressões de tão diferente natureza têm obrigado o liberalismo a mudar.
No entanto, trata-se de apenas uma das faces que não deve colocar na som­bra a realidade mais dura dos países ca­pitalistas de Terceiro Mundo — como o Brasil — onde não existe equilíbrio na distribuição de renda e onde, portan­to, a maioria da população não tem acesso aos bens sociais. índices gravís­simos de analfabetismo, desnutrição, mortalidade infantil, problemas de mo­radia não podem ser entendidos como simples incapacidade de cada país em enfrentar seus próprios desafios. Ao contrário, a situação dos países de Ter­ceiro Mundo deve ser compreendida na lógica da sua relação com os países de­senvolvidos que aí instalam indústrias utilizando mão-de-obra barata, daí re­tiram a baixos preços a matéria-prima de que necessitam, e aí encontram o mercado consumidor dos seus produtos.
Não se trata de novidade a íntima re­lação entre países desenvolvidos e paí­ses de Terceiro Mundo. A expansão do capitalismo, bem como a superação de suas crises, sempre foi marcada pela criação de laços de dependência, tais como a colonização da América do século XVI ao XVIII, o imperialismo na África e na Ásia e, mais recentemente, a implantação das multinacionais nos países não-desenvolvidos. Além disso, a dívida externa transforma os países do Terceiro Mundo em eternos deve­dores dos bancos internacionais que condicionam decisões políticas e vigiam o "bom comportamento" de seus tu­telados.
Mesmo nos países bem-sucedidos, as seguidas crises do modelo liberal — em que ora predomina a livre iniciativa, ora se faz necessária a intervenção do Es­tado — demonstram que a verdadeira democracia ainda não foi implantada. Afinal, a "pedra de toque" do libera­lismo é a livre iniciativa, mas, toda vez que ela é deixada na sua própria lógi­ca, as injustiças sociais precisam ser cor­rigidas pelo Estado. E isto, sabemos, constitui uma contradição, tendo em vista o ideal liberal do "Estado-mínimo".
Examinadas as questões sociais e econômicas, resta abordar o aspecto po­lítico. Vimos que inicialmente o libera­lismo era elitista (só podia votar ou ser votado aquele que possuía proprieda­des), e que só mais tarde o liberalismo se tornou mais democrático, com o su­frágio universal. Mesmo assim, perma­necem difíceis as condições de verda­deira representatividade dos diversos setores da sociedade civil, sobretudo dos trabalhadores.
O grande desafio para o modelo li­beral consiste na superação da demo­cracia puramente formal para a instau­ração da democracia substancial. (Ver Cap. 13, A democracia.)
Veremos a seguir as teorias apresen­tadas como alternativas à concepção po­lítica e econômica do liberalismo.


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